A Logística é uma disciplina que, aos poucos, está ganhando peso na atividade empresarial. De fazer parte de outras disciplinas passou a ter personalidade própria. Na sua evolução, foi preciso criar termos para referir-se às novas realidades que descrevia. Mas, quem faz a literatura técnica nem sempre tem os conhecimentos suficientes para criar neologismos. É por isso que com frequência, as palavras que são usadas na Logística complicam mais do que esclarecem. Neste sentido, as dúvidas de colegas de aula sobre os significados das palavras estoque e armazém me motivou a fazer uma pesquisa sobre estes termos.
Ainda que a Wikipédia não seja considerada como uma fonte séria para trabalhos, eu decidi começar minha pesquisa nesta enciclopédia porque permite comparar o mesmo artigo em diferentes línguas. Aliás, sobre logística, apresenta informações não muito aprofundadas, mas pelo menos são atualizadas e, na minha opinião, corretas. Se você escrever armazém, encontrará um artigo e as suas versões em outros idiomas. Almacén em Espanhol, warehouse em inglês. Depois, você escreve estoque e encontrará um artigo que começa com uma distinção, estoque é palavra em português brasileiro e existências, no português europeu. Portanto, percebemos que no Brasil a palavra existências como sinônimo de estoque não existe, nem sequer aparece no Aurélio, que muitas vezes acolhe palavras portuguesas. Vejamos dois exemplos e seu uso em espanhol e em português, respectivamente:
"La fábrica de Seat en Martorell (Barcelona) permanecerá inactiva estas Navidades durante 21 días, entre el 22 de diciembre y el 12 de enero, lo que permitirá reducir las existencias de coches (carros) sin vender y comenzar el año 2005 con la flota renovada, según informaron fuentes del comité intercentros." (Diário El País, 20/10/2011)
"De acordo com a lei, a venda de saldos só pode ser usada entre 28 de Dezembro a 28 de Fevereiro, e entre 15 de Julho e 15 de Setembro. Serve para vender produtos em fim de estação a um preço inferior e, assim, escoar existências." (Diário Público, 16/07/2010)
Vou tentar demonstrar que a confusão começa com a adoção da palavra estoque no português do Brasil. Não existiria problema se estoque tivesse sido apenas o equivalente de existências do português europeu, isto é, somente um substantivo. Mas, dessa palavra apareceram derivações nominais e verbais, estocagem e estocar, respectivamente. Porém, no Espanhol e no Português existem umas regras para a derivação nominal e verbal que não são respeitadas no caso da palavra estoque.
Existem em Português e Espanhol muitos verbos que seguem o esquema en-substantivo-ar (espanhol:en-substantivo-ar). Entre estes, alguns se interpretam como "lugar aonde". Assim, por exemplo, do substantivo garrafa (esp. botella) deriva-se o verbo engarrafar (esp. embotellar). E mesmo sem seguir este esquema, arquivo-arquivar e armazém-armazenar têm um sentido similar, mas como a maior parte segue a primeira sequência en-substantivo-ar, como engavetar (esp. encajonar), engaiolar (esp. enjaular), enlatar (esp. enlatar), etc, infere-se que o prefixo en - tem alguma função na interpretação do substantivo como lugar de destino da noção designada pelo verbo. Se considerarmos esta regra, observamos que a palavra estoque não pode ser interpretada como "lugar aonde". Por conseguinte, a sua derivação, estocar, é anormal nas línguas espanhola e portuguesa. Por outro lado, existe o sufixo -(a)gem (-(a)je em Espanhol) que forma substantivos derivados de verbos da primeira conjugação, como rodar-rodagem, camuflar-camuflagem, abordar-abordagem e armazenar-armazenagem. Neste sentido, estocar poderia derivar de estocagem por pertencer à primeira conjugação. Contudo, misturar regras próprias com as de outra língua que não faz parte da mesma família contribui para o caos e, com ele, a desorientação dos falantes, além da desintegração da gramática.
Eu não sou contra à adoção de estrangeirismos, mas quando estes não aportam nada, é melhor que fiquem só para nos expressar na língua da origem. Não há problema que o Brasil use estoque em lugar de existências, não se faz necessária tanta rigidez, mas as derivações nominais e verbais, estocagem e estocar, somente estão sobrepondo umas às outras e, diga-se de passagem, fazendo com que tentem ser criadas expressões artificiais. É bem simples, conteúdo e continente, armazém e estoque (ou existências para os portugueses). Aliás, o Inglês tem um léxico bem desenvolvido na área da logística e é difícil fazer uma tradução exata do seu vocabulário logístico, com palavras como warehouse, warehousing, stock, stockpile, stored, stocked, etc. Deixemos ao português descrever a realidade logística com as suas ferramentas. Esta língua com 12 séculos de existência e 240 milhões de falantes, não precisa caminhar numa dependência tão grande do inglês.
Miguel González Carrasco
Aluno do Curso de Logística