Artigo escrito por CESAR MEIRELES
A Lei Federal nº 8.987/95, que reza sobre a Concessão dos Serviços Públicos, prevista no Art. 175 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tratou de incumbir ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre via licitatória, a prestação de serviços públicos por intermédio do setor privado. Esse fato colocou o país, de modo definitivo, em rota de desenvolvimento, assumindo caráter modernizante, inovador e catalizador para a atividade econômica brasileira em um novo contexto mundial.
Em decorrência, durante a década de 1990, vimos a primeira onda de concessões de infraestrutura ao setor privado para a exploração de alguns setores, como o elétrico, telefonia fixa e celular e, de igual forma, do setor de rodovias, ferrovias, bem como do setor portuário; este, com amparo na Lei nº 8.630/93, revogada recentemente pela MP 595, também conhecida como a MP dos Portos, ainda em processo de negociação entre governo, empresários e trabalhadores, tamanha a sua complexidade.
É necessário abordar o momento vivido durante os anos 1990. O Brasil experimentava um novo tempo, caracterizado pela estabilização econômica que punha fim a um longo e traumático período inflacionário, com mercado fechado e gestão dos serviços (essenciais) de infraestrutura sob responsabilidade do setor público. O gerenciamento de custos e o foco na qualidade não figuravam como prioritários nas agendas empresariais até a década anterior.
Por outro lado, o mundo rompia fronteiras com o fim da guerra fria, representada epicamente pela queda do Muro de Berlim. A formação dos blocos econômicos se dá de modo decisivo, inaugurando a expansão multilateral da atividade econômica em rota irreversível de globalização.
De volta ao Brasil, o que antes se caracterizava por prestação de serviço público exclusivamente pelo Estado, sem pressão concorrencial, haja vista a natureza monopolista do serviço essencial, vem a ser explorado pelo setor privado, utilizando-se de novos ditames e práticas operacionais, novas bases e plataformas tecnologicamente superiores, expostas, a partir de então, à concorrência livre de mercado.
O setor de transportes, com predomínio rodoviário, fora fundamental protagonista ao longo dos anos para o desenvolvimento econômico do país, bem como as instalações de armazéns gerais, estas, diga-se, ainda amparadas no anacrônico Decreto nº 1.102, de 1903.
No entanto, na segunda metade da década de 1980, já em prenúncio da abertura dos mercados, instalavam-se os primeiros Terminais Retroportuários Alfandegados (TRAs), nas cercanias das zonas primárias dos portos, assim como registrava-se o alfandegamento precário dos armazéns gerais nas zonas secundárias próximas às capitais e regiões produtoras.
No fim da década de 1990, na esteira da Carta Magna e da Lei da Concessão dos Serviços Públicos, os TRAs e os Armazéns Gerais Alfandegados, seguindo os ritos constitucionais, começam a ser licitados, surgindo as primeiras Estações Aduaneiras de Interior (EADIs), as quais, neste exato instante, veem-se sob novo marco regulatório, contextualizado na MP 612, em tramitação no Congresso Nacional.
Desde então, sob o efeito crescente da globalização e das inovações tecnológicas, combinadas com maior disponibilidade de informação e conhecimento, verifica-se o lançamento acentuado de produtos no mercado, tendo como consequência a redução do ciclo de vida das mercadorias. Esse processo de encurtamento do ciclo de vida leva ao aumento do risco de obsolescência dos estoques, demandando o desenvolvimento de soluções integradas mitigadoras.
Como resultado do aumento das pressões por redução do ciclo de produção e distribuição, bem como do nível dos estoques, uma maior exigência por serviços se faz necessária. Diante disso, a expansão de escopo e a complexidade dos serviços logísticos, notadamente voltados a novos estágios de sofisticação, levam à integração das atividades de transporte, movimentação de carga, armazenagem e gerenciamento da cadeia de suprimentos, tomados pelos setores primário e secundário da economia.
A partir de 1990, evidenciamos o crescimento acentuado da tecnologia da informação e das telecomunicações, a exemplo da chegada dos telefones móveis celulares e da sofisticação dos computadores pessoais e dispositivos móveis, dos sistemas de conexão em banda larga de alta velocidade, dentre outros.
Para ser fiel aos acontecimentos, também é nos anos 1990 que testemunhamos a instalação das novas regras de padronização, com as normas Série ISO 9000 e programas de qualidade total, apresentados à época pelo professor Vicente Falconi da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), originados, sobretudo, da Japanese Union of Scientists and Engineers (JUSE), inaugurando uma escola aperfeiçoada de gestão organizacional no país.
Com a evolução continuada dos processos industriais e agroindustriais, e a necessidade de melhoria dos níveis de serviço para os clientes cada vez mais exigentes e criteriosos, passa-se a demandar um novo prestador de serviços, diferente daqueles que ofertavam apenas o transporte rodoviário de carga e o serviço de armazenagem geral convencional.
É a partir dessa década, portanto, que ganha forma no Brasil o gestor das atividades logísticas, integrador dos elos da cadeia de abastecimento. Esse ator, ainda em consolidação no Brasil, denomina-se academicamente Operador Logístico (OL) ou Prestador de Serviços Logísticos (PSL), sendo incumbido de gerenciar todos os elos da cadeia de abastecimento dos seus clientes, nas suas mais variadas formas, métodos e processos, utilizando mão de obra qualificada, tecnologia de elevada sofisticação para gerenciamento de dados, estoques, validades, pedidos, informações e rastreamento de processos e distribuição.
Esse PSL especialista passa a atender às inúmeras especificidades de setores econômicos e segmentos de mercado. Sua expertise vai além, por tratar de quesitos legais, normativos, riscos inerentes ao manuseio de natureza diversa quanto ao impacto ao meio ambiente, ao risco ocupacional, etc.
Nessa nova ordem e contexto, o PSL não é um mero agente de terceirização de mão de obra ou transferência de funções operacionais; trata-se, certamente, de um ator de elevado grau de conhecimento técnico da gestão da logística empresarial.
A literatura que trata do assunto é convergente, definindo o OL como sendo um prestador de serviços especializado em gerenciar e operar, de modo integrado, as atividades logísticas nas várias etapas da cadeia de suprimentos de seus clientes produtores e embarcadores, agregando valor e/ou utilidade aos seus processos e produtos, com capacidade e competência para, no mínimo, prestar simultaneamente serviços em três atividades básicas: gestão de transportes em qualquer dos seus modais; armazenagem geral ou alfandegada; e controle de estoques.
Embora a atividade ainda seja extremamente recente, já se mostra robusta e, de modo irreversível, imprescindível para o crescimento socioeconômico do país. Para se ter uma ideia desse mercado, segundo estudo recente do Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), em seu Panorama de Operadores Logísticos e Ferrovias (2013), as 142 principais empresas PSLs que operam no Brasil registraram juntas, em 2011, receita líquida de R$ 48 bilhões, cerca de 20% maior que no ano anterior. O setor como um todo movimenta mais de R$ 400 bilhões em gastos logísticos, representando cerca de 10% do PIB nacional.
Nesse novo panorama, quando os atores produtivos buscam maximizar competitividade, garantir sustentabilidade no longo prazo, gerenciando prioritariamente a redução de custos e oferecendo diferenciação ao mercado, constata-se em estudo realizado pela Coppead/UFRJ, em 2009, que mais de 90% das empresas produtoras pesquisadas à época admitiam que os serviços logísticos representam vantagem competitiva para suas organizações, o que se confirma nos dias atuais, significando que o movimento de contratação dos PSLs segue tendência de elevação.
O OL está presente em toda a cadeia produtiva, integrando várias das funções logísticas, tais como: gerenciamento de armazéns e centros de distribuição; (des)unitização de mercadorias e (des)consolidação documental; gestão de sistemas de tecnologia da informação (TI); operação e/ou gerenciamento de frota; seleção de modais e transportadoras, incluindo a negociação de frete; gerenciamento e processamento de pedidos; agenciamento de carga; operações de desembaraço alfandegado na importação e exportação; montagem de kits e/ou instalação de produtos; separação (picking) e embalagem (packing) de mercadoria; gestão de estoque, inventário e distribuição, dentre outros.
Observa-se, no quadro a seguir, o conjunto de atividades classificadas e em operação no país. Note-se, contudo, que não há uma classificação exata para Operador Logístico.
No que concerne à contribuição socioeconômica do setor, os impactos positivos são ainda maiores, haja vista que os OLs atuam não apenas nos centros urbanos e/ou nos clusters industriais e agrícolas, como estão presentes nos mais distantes rincões do território nacional, empregando e gerando renda a milhares de brasileiros, desde o primeiro emprego até cargos de alta liderança.
O setor, contudo, não está regulamentado, carecendo de estudos, pesquisas e trabalhos aplicados que garantam marco legal moderno, com a criação da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) e a codificação na Nomenclatura Brasileira de Serviços (NBS) específicas para os OLs; bem como de segurança jurídica de espectro amplo, que contribua decisivamente para a competitividade das cadeias produtivas e sua sustentabilidade no longo prazo.
À medida que a sofisticação e o escopo das atividades terceirizadas se ampliam, o grau de relacionamento de interdependência positiva entre tomador e prestador de serviços logísticos se desenvolve natural e gradualmente, estabelecendo-se, evolutivamente, em bases sólidas de confiança e senso verdadeiro de parceria.
O futuro do setor é promissor e oferecerá novas e vastas oportunidades para todos aqueles que buscarem profissionalização das atividades logísticas, melhoria contínua do nível de serviços prestados, inovação tecnológica, gerenciamento de alto nível, competente e confiável a custos competitivos, bem como o desenvolvimento continuado e diferenciado de talentos.
Carlos Cesar Meireles Vieira Filho
Mestre em Administração de Empresas,
docente do Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG)
e diretor executivo da
Associação Brasileira de Operadores Logísticos (ABOL)
Tel.: (11)3192-3939
cesar.meireles@abolbr.com.br
Fonte: Tecnologística
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