Análise Econômica
06/09/2012
Juros baixos e metas de inflação
Os juros estão em seu patamar histórico mais baixo (Selic a 7,5%) e com tendência declinante
notícia
Apesar de o crescimento
do PIB ter sido de apenas 0,41% no segundo trimestre, o alinhamento das
principais variáveis macroeconômicas permite manter o otimismo.
As
reservas internacionais de US$ 376 bilhões possibilitam atravessar a
resistente crise financeira internacional sem problemas no balanço de
pagamentos. No último ano, a produção local foi beneficiada por uma
desvalorização cambial de mais de 25%, o que ocorreu com queda da
inflação, que se estabilizou em pouco mais de 5% ao ano.
Os
juros estão em seu patamar histórico mais baixo (Selic a 7,5%) e com
tendência declinante. A situação fiscal continua confortável, apesar das
desonerações recentes e da queda na arrecadação por conta da
estagnação.
Tal cenário deverá permitir ao Brasil deixar para
trás o padrão de juros altos com o qual convive desde a estabilização
monetária. Uma economia de juros baixos será auspiciosa. Mas essa
transição exigirá enfrentar alguns desafios.
O principal
refere-se ao tripé de política macro, formado pelo câmbio flutuante,
pelas metas de inflação e pelo superavit primário. Esse arranjo foi
bem-sucedido em garantir que a economia brasileira fizesse uma primeira e
arriscada transição após a estabilização monetária, que foi o abandono
do câmbio fixo a partir de 1999.
A valorização dos principais
produtos de exportação, propiciada pela emergência da China, em
conjunto com as políticas sociais e de redistribuição de renda,
permitiram ao Brasil experimentar a partir de 2004 a retomada do
crescimento com baixa inflação.
Para tanto, foi decisiva a
apreciação do real, também dada pela aquecida demanda externa. O
crescimento do mercado interno, por sua vez, permitiu elevar a
arrecadação. Assim, o arranjo se tornou virtuoso.
O problema
ocorreu na indústria de transformação. Ela foi beneficiada pelo
crescimento, mas boa parte de seus efeitos vazou para a importação de
componentes, peças e partes. A valorização cambial enfraqueceu a
solidariedade nas cadeias produtivas, esvaziadas na busca de reduções de
custo.
A queda das taxas de juros deve mudar esse cenário.
Primeiro, porque tornará as condições de financiamento privado de longo
prazo em moeda local compatíveis com os retornos esperados dos
investimentos produtivos. Segundo, os juros baixos devem manter um
câmbio mais favorável à produção local e, terceiro, eles criarão
incentivos para que as empresas brasileiras busquem o lucro através da
inovação, o que fará com que o atraso tecnológico deixe de ser uma
recorrente realidade. Mas esse cenário também romperá com as condições
de sustentação do tripé macro.
A manutenção de altos
superavit primários não é recomendável enquanto a crise internacional
mantiver efeitos estagnacionistas. Isso não deve ser um problema, pois a
redução dos juros faz com que a necessidade de gerar receitas para
pagar os credores do governo diminua.
No entanto, até
completar a convergência ao padrão internacional, o país terá que
enfrentar algo que está na natureza do regime brasileiro de metas de
inflação: a queda dos juros depende de um esforço fiscal contracionista,
já que o regime se baseia no “gap” de capacidade produtiva implícito no
cálculo do “PIB potencial”.
Nesse sentido, a crise pode ser
uma oportunidade, pois o prolongado choque deflacionário externo tende a
facilitar a conciliação de pressões inflacionárias internas com o
respeito ao regime de metas. Ainda assim, o aperfeiçoamento do regime
poderá ser necessário.
As mudanças são conhecidas: por
exemplo, adoção do “núcleo de inflação”, de forma a tornar o regime de
metas menos sensível a mudanças sazonais de preços relativos, e a adoção
de períodos mais longos para a convergência à meta, que não precisa ser
anual, pois os efeitos da política monetária são mais lentos.
Tal
debate há muito existe na academia e deve ganhar a sociedade.
Pessoalmente, acho que a perseguição de metas de inflação não precisa
ser explícita, o que favoreceria a conjugação de crescimento com
estabilidade.
A boa notícia é que o Banco Central há um
ano enfrentou a sabedoria econômica convencional quando iniciou a
redução dos juros frente à recidiva da crise internacional. Antes, foi
hábil ao criar as medidas macroprudenciais como forma de mitigar as
necessidades de aumento dos juros. O BC tem credibilidade para fazer a
melhor transição.
MARCELO MITERHOF
38, é economista e mestre pela Unicamp
marcelo.miterhof@gmail.com
Publicado originalmente em:
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