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Internet
por Observatório da Privacidade e Vigilância — publicado 02/06/2015 03h53
Especialistas discutem as bases legais para interceptação de dados no País
Nos últimos anos, o entendimento da lei que rege a interceptação telefônica (denominação técnica para o que entendemos por “grampo”) tem sido ampliado para incluir também as transferências de dados realizadas por telefones celulares e computadores, de modo que uma investigação criminal tenha acesso a lista de chamadas e contatos, mensagens de texto, mensagens de programas de chat, como Whatsapp e Skype, e o conteúdo de e-mails.
Embora a constituição explicite que a comunicação telegráfica e de dados são invioláveis, com frequência juízes fazem outro tipo de interpretação, autorizando que órgãos de investigação criminal interceptem dados mediante ordem judicial. A prática desperta preocupação porque pode ampliar, para o âmbito dos dados, os abusos que já foram constatados nos grampos de comunicação telefônica, com autorizações excessivas, baseadas em indícios fracos.
Segundo o coordenador do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Faculdade de Direito da USP, o advogado Francisco Brito Cruz, a principal lei que serve de baliza para este tipo de procedimento é a lei 9.196 de 1996, que determina que um órgão de investigação criminal somente tem permissão para interceptar dados através das empresas de telecomunicação se conseguir uma ordem de um juiz para isso, “apenas em caso de que existam indícios razoáveis da autoria de um crime ou de participação em um”. Ele ressalta, porém, que esta lei, conhecida como a ‘lei de interceptação telefônica’, “é anterior ao uso massivo da internet móvel ou do surgimento de redes sociais”.
Por essa razão, o advogado especializado em perícia forense em sistemas informatizados, Victor Hugo Pereira Gonçalves, atenta para a divergência entre juristas acerca da aplicação desta lei para a interceptação de dados. "Segundo a Constituição Federal, é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial”, explica. Ou seja, conforme o que se pode ler no artigo quinto da constituição, somente as interceptações telefônicas poderiam ser autorizadas.
Porém, Gonçalves relata que a Polícia Federal frequentemente obtém autorização judicial para grampear dados em investigações de crimes em esfera nacional, como pedofilia e tráfico de drogas. “A questão fica ainda mais complicada quando se trata da Polícia Civil” continua, “porque o espectro de investigações criminais na esfera estadual é muito mais abrangente, e não se tem nenhum tipo de controle ou registro das autorizações para interceptação”, o que impede o rastreamento e a verificação de abusos.
Francisco Brito Cruz esclarece que quando há suspeita de interceptação, o mais indicado é procurar auxílio jurídico de um advogado e verificar junto à autoridade policial que está conduzindo a investigação qual o status do cidadão nesse inquérito. “O cidadão possui o direito de verificar e se informar a respeito de investigações conduzidas em seu nome”, informa.
Apesar disso, Gonçalves observa que não existe nenhum procedimento descrito em nenhuma lei que responda ao cenário tecnológico atual e que garanta o direito de contestar uma suspeita de interceptação. “Não adianta você ter um direito atribuído se não existe um procedimento para que o cidadão se aproprie deste direito, e isso não está nem no Marco Civil da Internet e nem no anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais [que está aberto para debate público]”.
Brito Cruz concorda que “estas garantias são mais gerais”, e recorda que estão também na lei de processo penal, “o que reforça o direito de ampla defesa e ao contraditório dos cidadãos que estão sendo processados criminalmente”. Mas, segundo ele, para além disso, a lei não dá conta dos detalhes próprios das novas tecnologias, o que abre brechas interpretativas, “e é problemático da perspectiva de proteção de direitos”, afirma.
Por outro lado, Brito Cruz salienta que quando se fala em grampo de dados, não estamos falando de coleta massiva de dados e vigilância em massa, “mas de interceptação de comunicações específicas que dizem respeito à prática de crimes que já estão sendo investigados”. Para Victor Hugo Gonçalves, no entanto, a imprecisões jurídicas e o poder atribuído às empresas de telecomunicação, pelas quais obrigatoriamente passam todas as atividades de interceptação, podem causar desvios e abusos: “a gente precisa se perguntar: quem se beneficia desta confusão jurídica?”
* O Observatório da Privacidade e Vigilância é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (GPoPAI-USP) que monitora ações do Estado e de empresas que tenham impacto sobre a privacidade dos cidadãos.
Fonte: Carta Capital
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