Voltar à página inicial

terça-feira, 6 de outubro de 2015

O ensino de Ciências Contábeis no Brasil precisa mudar?

Foto: Portal Contábeis
Este ano a 1ª edição do Exame de Suficiência do Conselho Federal de Contabilidade(CFC), na categoria Bacharel em Ciências Contábeis, apresentou um dos maiores índices de aprovação entre as nove edições do Exame já realizadas: 54,48%. Apenas a 2ª edição do Exame de Suficiência de 2011 registrou percentual maior de aprovação: 58,29%. A aprovação no exame é condição sine qua non para o exercício profissional do contador e o índice de aprovação é um reflexo de como as universidades estão preparando os futuros contadores e da sintonia entre elas, os representantes de classe e o mercado. Será que a pequena diferença entre o número de aprovados e reprovados revela que estamos no meio do caminho no ensino de ciências contábeis no Brasil?
 
O doutor em controladoria e contabilidade pela Universidade de São Paulo e docente do ensino presencial no curso de Ciências Contábeisda Universidade Estadual de Londrina, Daniel Ramos Nogueira, analisou os resultados dos últimos anos do exame realizado pelo CFC. Nogueira considera que o resultado da última edição demonstra certa evolução quando comparado com os anos anteriores, afinal nos anos iniciais os índices foram preocupantes, pois apenas 1/3 era aprovado, o que, segundo ele, causava certa apreensão sobre a qualidade do ensino. “Por outro lado, a existência do Exame de Suficiência reforça a necessidade de uma boa formação por parte do discente, pois não bastará ter o diploma, será necessário aprovação no exame para que possa exercer a profissão contábil”, acrescenta.
 
Para continuar avançando na formação de profissionais cada vez mais competentes, ele acredita que o trabalho deve ser realizado pelas duas partes do processo de ensino-aprendizagem (alunos e professores/Instituições de Ensino Superior). “Os docentes devem procurar sempre estar atualizados e os discentes devem estudar com empenho para obter aprovação”, complementa o professor.
 
Quanto à adequação dos currículos das faculdades à realidade do mercado, Nogueira considera uma discussão longa e complexa que deve levar em conta fatores como Currículo MEC, Currículo Mundial, Currículo propostos por órgãos internacionais e certificações internacionais entre outros. Ele acrescenta que a estrutura do currículo parte do objetivo geral do curso, que pode ser de formar profissionais para o mercado amplo e complexo que abrange setores como escritórios de prestação de serviço contábil, grandes empresas, perícias, auditorias e controladoria. Por outro lado, continua ele, quando a faculdade procura formar um profissional generalista, tentando fornecer um pouco de conhecimento em cada uma dessas áreas (afinal, não haverá tempo hábil na graduação para torná-lo especialista em todas as áreas) é natural que alguns conteúdos sejam preferidos em relação a outros.
 
Outro ponto levantado pelo professor é que, dentro da Universidade a preocupação principal é formar o contador em sua essência, para que saiba pensar os processos e auxiliar as empresas na tomada de decisão, assim, ferramentas do dia a dia do trabalho do contador podem ser ensinadas, mas muitas vezes há outros conteúdos que são mais relevantes, pensando na profissão do contador no médio e longo prazo. “Dentro da universidade a preocupação deve ser ensinar o 'pensar contábil', pois o mundo em que vivemos hoje é diferente do que tínhamos anteriormente e está em permanente transformação”.
 
Nogueira destaca que cada Universidade define seu currículo de acordo com as normas federais de ensino, mas há uma certa flexibilidade para que elas possam trabalhar conteúdos que entendam como necessários aos alunos, em alguns casos, mesmo que não consigam trabalhar esses saberes dentro do quadro de disciplinas poderão oferecer cursos de curta duração (curso de férias, extensão etc.) para complementar o ensino. “Também é natural que cada aluno, de acordo com seus interesses pessoais/profissionais, procurem cursos específicos fora das IES, visando uma formação continuada,” avalia .
 
Formação além do mercado
 
Ao analisar o índice de aprovação o Ph.D. e professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA/USP), Edgard Cornacchione, considera que o resultado em si (54% de aprovação) se analisado isoladamente não oferece muita informação. Ele continua a análise dizendo que o que se pode afirmar imediatamente é que aproximadamente metade dos formados em contabilidade no Brasil não é bem sucedida no exame. “É assim com qualquer experiência de avaliação: uma turma que tem 30% de aproveitamento em uma disciplina (estudantes que concluem com sucesso) enseja uma série de interpretações: há algo de errado com os alunos, com o professor, com o conteúdo, com os instrumentos de avaliação? Quais os critérios para sucesso? Houve algum fenômeno fora de controle que afetou tais avaliações?”, questiona.
 
O professor sugere uma comparação com exames similares em outras áreas profissionais, ou mesmo em nossa área em outras jurisdições, países. Ele lembra que o exame visa ser balizador para oferta de licença profissional, adota um formato de múltipla escolha com exigência de acerto mínimo de 50% das questões e possui uma dispersão, em termos de resultado de aprovação, ainda muito alta se compararmos regiões, estados e instituições de ensino. “Ou seja, minha preocupação é maior conforme nos aproximamos dos detalhes, das instituições, dos programas, dos docentes e dos estudantes”, conclui.
 
Cornacchione considera que, qualquer exame que tem por finalidade configurar evidências para apoiar a decisão de licença profissional, necessita ser muito bem desenhado (à luz dos objetivos de formação e profissionais da área), bem como ter sua lógica amplamente divulgada e difundida perante os envolvidos o que, segundo ele, permite maior equilíbrio entre os esforços de formação e demandas profissionais. “Todos os envolvidos, instituição de ensino, professores, estudantes, avaliadores, mercado profissional, entre outros, possuem responsabilidade na garantia da eficiência e eficácia deste processo” sentencia.
 
Para o professor, as faculdades assim como os demais envolvidos podem colaborar para melhorar esses índices. Porém, ele adverte que não é uma questão de ensinar para passar no exame. “Isso tende a ser uma reação imediata aos resultados baixos de aprovação, no entanto, reduz o papel da instituição de ensino de formador de cidadãos e profissionais.” Cornacchione, continua a análise dizendo que ensinar para passar no exame é visão reducionista e que encorpar o curriculum e o método para garantir um cidadão melhor preparado para o sucesso em sua carreira representa bem mais do que o conteúdo do exame (e não poderia ser diferente). “Mas, as faculdades podem sim reforçar temas e processos que são explorados no exame,” considera.
 
Quanto aos currículos das faculdades de ciências contábeis, Cornacchione lembra que em educação o curriculum é algo vivo e dinâmico. Para ele, não é diferente para a contabilidade. O professor diz ainda que, independentemente da qualidade do curso ou programa em questão, uma instituição de ensino, um programa, um docente deve sempre estar avaliando e implementando ajustes curriculares. “Nossa área é de ciências sociais aplicadas. A dinâmica social requer que sejam contemplados elementos que estão em constante modificação. Como disse, a parceria entre academia e mercado é adotada em vários países do mundo e faz todo o sentido em áreas com recorte profissional como a nossa”, conclui.
 
Docentes mais preparados
 
Sob o ponto de vista do vice-presidente de Desenvolvimento Profissional e Institucional do CFC, Zulmir Breda, o índice de aprovação pode melhorar, embora não se possa dizer que seja ruim, porque está acima da média das nove edições anteriores que foi de 43,4 pontos percentuais.
 
A elevação do percentual de aprovação, para Breda, depende fundamentalmente da melhoria na qualidade do ensino e, por via de consequência, da melhor formação do aluno. Ele lembra que a última avaliação dos cursos de ciências contábeis feita pelo MEC em 2012, quando da realização do ENADE, 865 cursos foram avaliados, sendo que apenas 31 (3,6%) obtiveram o conceito máximo (nota 5). “Isto mostra o quanto podemos ainda avançar na qualificação do ensino superior na nossa área”, acrescenta.
 
Ele afirma que a evolução passa por investimentos que precisam ser feitos pelas instituições de ensino superior, seja na melhoria das instalações físicas, na qualificação do corpo docente e na organização didático-pedagógica. Preocupado com a formação de docentes para o ensino contábil no país, o Conselho Federal de Contabilidade tem projeto específico nesse sentido, visando apoiar a instalação e funcionamento de novos cursos de mestrado em ciências contábeis, especialmente em regiões onde não há oferta desses cursos, com o objetivo de propiciar a formação de mais mestres para o ensino das ciências contábeis, contribuindo assim para o atendimento das diretrizes do MEC. “Atualmente temos apenas cerca de três dezenas de cursos de mestrado e doutorado em ciências contábeis em todo o Brasil o que é insuficiente se compararmos com o número de cursos de graduação, que ultrapassa 1,2 mil cursos em todo o país”, revela Breda.
 
Quanto à necessidade de mudanças no currículo das universidades, o vice-presidente revela que o CFC elaborou uma proposta de currículo que será sugerida às instituições de ensino. “Essa proposta nacional está em fase de revisão e deverá ser divulgada em breve” promete. 

Por: Elizete Schazmann

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça aqui o seu comentário!