REDAÇÃO 2 de maio de 2017
Por Sonia Couto
Neste dia 2 de maio de 2017, homenageamos Paulo Freire
(1921-1997) por ocasião dos 20 anos de seu falecimento. O Instituto Paulo
Freire (IPF), que há 26 anos trabalha na continuidade e reinvenção de seu
legado, é sempre perguntado sobre o método de Alfabetização de Adultos que leva
seu nome. Na verdade, é mais do que um método de ensino. Paulo Freire construiu
uma filosofia educacional que pode e tem sido utilizada da educação infantil à
pós-graduação, e para além, sendo referência em outras políticas sociais como a
Saúde, a Assistência Social, a Cultura etc.
Por isso, é oportuno resgatarmos no que consiste o Método Paulo
Freire para que se compreenda, com olhos contemporâneos, o cenário educacional
brasileiro e atual. Não é demais observar ainda que o Instituto Paulo Freire,
como parte das homenagens ao educador, está, neste momento, realizando a
“Jornada Pedagogia da Autonomia”, que dá origem a um curso, nos meses de maio e
junho, intitulado “Aprenda a dizer a sua palavra” (Mais informações
em www.paulofreire.org).
Método Paulo Freire
Em 2012, Paulo Freire foi considerado o Patrono da Educação
Brasileira pela sua imensa contribuição a favor de uma educação transformadora.
Seu trabalho nessa direção surgiu a partir da criação de uma metodologia de
alfabetização de adultos conhecida como Método Paulo Freire.
Existem diversos e conhecidos trabalhos sobre o Método que,
segundo seu autor trata-se muito mais de uma teoria do
conhecimento do
que de uma metodologia de
ensino, muito mais um método de
aprender do que
um método de
ensinar.
O que hoje conhecemos como “Método Paulo Freire para
Alfabetização de Adultos” surgiu com o trabalho realizado por Freire na década
de 1960. Paulo Freire foi convidado a coordenar o trabalho em Angicos, em
função do sucesso de experiências anteriores com essa metodologia e por sua
postura inovadora em relação ao analfabetismo, inserindo-o na categoria de
problema social, em oposição ao enfoque tecnicista vigente na época.
Freire iniciou o trabalho em Angicos com a formação inicial
dos/as educadores/as populares que atuariam como “animadores de debate”, como
eram conhecidos os/as alfabetizadores/as que atuavam nos círculos de cultura
por ele criados.
Foram dez dias de círculos de diálogos com auditórios lotados,
em que eram discutidas questões pertinentes ao tema, em especial as relativas
ao papel do educador, numa sociedade em transformação, e à importância das
relações entre educador/a e educando/a, no processo de ensino e aprendizagem.
Paralelamente à formação desses/as educadores/as, um estudo do
universo vocabular dos/as futuros/as alfabetizandos/as estava sendo realizado
sob a coordenação de Maria José Monteiro, estudante universitária e membro da
equipe de Paulo Freire. Esse estudo (in loco) culminou com o levantamento de
400 palavras, das quais foram escolhidas aquelas que comporiam o léxico das 40
aulas previstas no projeto. A seleção das palavras por Freire e sua esposa
Elza, também educadora, se deu em função das dificuldades e facilidades
fonéticas, ou seja, o conjunto dos vocábulos que deveria conter, em grau
crescente, as diferentes composições fonêmicas.
No dia 28 de janeiro de 1963, teve início a primeira aula dessa
experiência que viria a ser conhecida no Brasil e no mundo como “As 40 horas de
Angicos”. Além de abordar o tem alfabetização, a aula abordou o educador numa
sociedade em transformação e a importância das relações entre educador e
educando no processo de ensino e aprendizagem.
A 40ª aula aconteceu no dia 2 de abril de 1963, com a presença
do então presidente João Goulart, que, junto às autoridades, alunos e imprensa,
comprometeu-se em dar continuidade ao projeto em âmbito nacional, convidando
Paulo Freire para coordenar a Campanha Nacional de Alfabetização.
No entanto, a instituição do Programa Nacional de Alfabetização,
com base no Sistema Paulo Freire, em janeiro de 1964, teve pouco mais de 80
dias de existência. Todo o acervo empregado na execução do Programa foi
recolhido com o objetivo de apagar até mesmo a memória daquela experiência. O
que se assistiria nas experiências de alfabetização que se seguiram, no Brasil
ditatorial, seria a despolitização total nos processos formativos e o
congelamento das ideias e ideais transformadores.
O que de mais precioso Freire nos deixou foi uma metodologia
sobre como podemos pensar o pensado, como compreender criticamente nossa
realidade, com uma abertura para a análise da cultura e, portanto, uma maneira
de filosofar sobre a filosofia.
Fundamentos do Método Paulo Freire
Na proposta freiriana, o processo educativo está centrado na
mediação educador-educando com o mundo. Parte-se dos saberes dos/as
educandos/as. Muitas vezes, o/a educando/a adulto/a, quando chega à escola,
acredita não saber nada, pois sua concepção de conhecimento está pautada no
saber escolar. Um dos primeiros trabalhos do/a educador/a é mostrar ao/à
educando/a que ele/ela sabe muitas coisas.
Princípios que constituem o Método Paulo Freire
Politicidade do Ato Educativo
Uma das premissas do Método Paulo Freire é que não existe
educação neutra. A educação, vista como construção e reconstrução contínua de
significados de uma dada realidade, prevê a ação humana sobre essa realidade.
Essa ação pode ser determinada pela crença fatalista da causalidade, portanto,
isenta de análise, uma vez que ela se apresenta estática, imutável,
determinada. Mas pode também ser movida pela certeza de que a causalidade pode
ser submetida à análise e, portanto, pode ser relativizada e transformada.
O que existe de mais atual e inovador no Método Paulo Freire é a
constatação da indissociabilidade entre os processos de aprendizagem da leitura
e da escrita e o processo de politização. O/A alfabetizando/a é desafiado a
refletir sobre seu papel na sociedade, enquanto
aprende a escrever a palavra “sociedade”; é desafiado a repensar
a sua vida, enquanto aprende a decodificar o valor sonoro de cada sílaba que
compõe essa palavra. Essa reflexão tem por objetivo promover a superação da
consciência ingênua – também conhecida como “consciência mágica” – pela
consciência crítica.
Na experiência de Angicos, assim como em outros lugares onde foi
adotado o método, as salas de aula transformavam-se em fóruns de debate,
batizados por Paulo Freire como “Círculos de Cultura”. Neles, os/a alfabetizandos/as
aprendiam a ler o mundo e as letras e a escrever sua história de vida e as
palavras.
Dialogicidade do Ato Educativo
Sempre em busca de um humanismo nas relações entre homens e
mulheres, a educação, segundo Paulo Freire, tem como objetivo promover a
ampliação da visão de mundo do/a educando/a para melhor qualificar sua
intervenção nele, o que, segundo Freire, é facilitado com a presença do
diálogo. Não se baseia, como na “educação bancária”, no monólogo daquele que,
achando-se saber mais, deposita o conhecimento -como algo quantificável,
mensurável – naquele que supostamente sabe menos ou nada sabe. A atitude
dialógica é, antes de tudo, uma atitude de amor, humildade e fé nos homens, no
seu poder de fazer e de refazer, de criar e de recriar (FREIRE, 1987, p. 81).
O diálogo entre natureza e cultura, entre o ser humano e a
cultura, e entre o homem e a natureza constituía uma prática comum na
alfabetização de jovens e adultos proposta por Freire. Fernando Menezes
descreve como esse diálogo se efetivava nos círculos de cultura.
Momentos e Fases do Método Paulo Freire
Freire sempre se incomodava quando lhe atribuíam a autoria de um
método de alfabetização. Ele dizia que o compromisso político com os renegados,
com os proibidos de ler a palavra e reler o mundo, o levou a criar uma
metodologia que mais se aproxima de um método de conhecer do que de ensinar.
Essa insistência em classificar a metodologia de Freire em
termos de método ou sistema se dá pelo fato de ela compreender uma sequência de
ações. Ela se estrutura em momentos não estanques, ligados entre si de maneira
inter e transdisciplinar dada a sua natureza dialética.
Para situar melhor essa “sequenciação”, indicaremos os momentos
que compõem a metodologia criada e adotada por Freire na década de 1960.
1.º Momento: Investigação Temática
Pesquisa sociológica: trata-se da investigação do universo
vocabular e estudo dos modos de vida na localidade (estudo da realidade).
2.º Momento: Tematização
Seleção dos temas geradores e das palavras geradoras.
“Tematizar” é transformar o observado em temas, para que se possa estudar,
minuciosamente, seus componentes.
3.º Momento: Problematização
Busca da superação da primeira visão ingênua por uma visão
crítica. Esta visão crítica objetivava transformar o contexto vivido. A
abordagem metodológica privilegiava a leitura do mundo como instrumento de
análise crítica da realidade.
Ao se utilizar essas práticas, amplia-se o conceito de
alfabetização, que é entendida como uma fase inicial da aprendizagem da cultura
escrita, devendo ser ampliada, gradativamente, de modo a possibilitar o uso
social da leitura e da escrita nas práticas cotidianas. O que atualmente vem
sendo chamado de letramento, sempre foi, para Freire, o papel da alfabetização.
Nesse sentido, podemos utilizar a palavra alfabetização para designar um
processo contínuo de aprendizagens e de seu uso social. Na perspectiva
freiriana, a aprendizagem é sempre uma ação transformadora, e transformar,
nesse sentido, é utilizar o aprendido para qualificar as intervenções no
cotidiano.
Passados 54 anos de existência do Método Paulo Freire, ele
permanece atual e cada vez mais necessário. Além de atender a um desejo do seu
criador, atende às necessidades de milhares de educadores e educadoras que
desejam fazer de suas práticas político-pedagógicas ações de emancipação,
libertação e ressignificação do ato de aprender e ensinar.
Sonia Couto é mestre em Educação e doutora pela Faculdade de
Educação da USP. Professora aposentada da Rede Municipal de Educação de São Paulo,
é licenciada em Letras e Pedagogia. É autora do livro Método Paulo Freire, a
reinvenção de um legado Brasília (Liber livros, 2008) e de livros didáticos
para EJA na perspectiva freiriana, dentre eles o material didático do Programa
Tecendo o Saber, da Fundação Roberto Marinho e do SesiEduca no Rio de Janeiro.
Foi também uma das coordenadoras responsáveis pelo Projeto Memória Edição Paulo
Freire (2005). Tem artigos publicados em revistas acadêmicas e em cadernos
pedagógicos para Secretarias Municipais de Educação. Participou como docente e
coordenadora pedagógica de projetos de Alfabetização de Jovens e Adultos em
vários estados. Atualmente coordena o Centro de Referência Paulo Freire, que
tem como missão socializar e dar continuidade ao legado de Paulo Freire.
Fonte:
Carta Educação
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